Você pode adiantar
alguma coisa a respeito do novo romance a ser publicado? (Barreira)
O que eu posso adiantar é que:
1) não é um livro muito fácil. É um
livro que pede certa parceria do leitor, no sentido de que nem sempre a leitura
vai ser fluida, prazerosa, que às vezes ele, o leitor, pode até ser tentado a
largar o livro. Não sei se tenho o direito de pedir este crédito de antemão ao
leitor, mas o livro precisa dessa paciência, dessa persistência. Como todo o
livro, eu creio. É sempre a partir de uma relação de confiança entre o leitor e
o livro que a experiência da leitura começa. Esta relação é frágil e pode ser
quebrada a qualquer momento, exige esforços de parte a parte. Espero que no meu
livro este esforço seja recompensado.
2) É um livro que tenta uma maneira
diferente de chegar no leitor, pode ser que nem sempre consiga, mas tenta.
3) É um livro imperfeito, bastante
imperfeito, com alguns excessos de um lado e lacunas de outro.
4) O que quero dizer é que não se
trata de um livro fechadinho, redondinho, perfeitinho (aliás, tenho cada vez
menos paciência para livros fechadinhos, redondinhos e perfeitinhos)
5)
É um livro que conserva certo tom difuso, com coisas não muito bem
explicadas, ou pelo menos com várias hipóteses possíveis. A coisa gira em torno
de um ou mais mistérios – em alguns momentos tem até certo tom policial – mas
nada se revela como certo. Há vozes e discursos contraditórios, coisas que são
afirmadas e negadas com a mesma ênfase.
6) É um livro que insiste na ideia de
que há zonas obscuras (na vida, no real, na narrativa, no texto) e que estas
zonas devem ser respeitadas.
7) É um livro para ser lido sem a
preocupação de entender tudo ao nível da trama, é para se deixar levar.
8) E já que falo de trama, o que para
mim nunca interessa muito, mas tem gente que não consegue passar sem isso, vai
lá uma sinopse: o romance está ancorado em três personagens que interagem em
alguns momentos da narrativa. Um turco de uns 60 anos (vivendo no Brasil), que
deixou Istambul aos 6 e retorna pela primeira vez à sua cidade para encontrar
sua filha (Fátima), fotógrafa, que uns meses antes viajara para ver a cidade
que só conhecia através dos relatos do pai. Chegando a Istambul este pai se dá
conta que a filha está desaparecida. Antes do desaparecimento, Fátima tem um
breve envolvimento com um francês (Robert), autor de guia de viagens, que está
a Istambul meio perdidão, em plena crise existencial, profissional, emocional,
etc. Robert, por sua vez, ao receber a notícia da morte do filho (Lucas),
retorna a Paris, toma conhecimento das atividades (que ele ignorava) do filho
como artista, e isto o leva de volta a Istambul para encontrar Marc, um artista
francês meio louco (ou que se faz de louco), amigo do seu filho, e que leva
Robert à obra de um artista turco (Ahmet) que ninguém sabe exatamente se existe
ou se é uma invenção de um coletivo de artistas ou se é uma segunda identidade
(secreta) de Marc. Na obra (macabra) de Ahmet, alguns jovens podem ter deixado
a vida.
9) Num sentido mais amplo, o livro
fala sobre coisas perdidas, ou melhor, sobre coisas inacessíveis, sobre
barreiras intransponíveis: barreira da língua, barreira entre gerações,
barreira entre pais e filhos, barreira entre o real e a representação do real,
entre o real e o imaginado, barreira entre o vivido e a memória do vivido,
barreira entre o que se deseja resgatar e o que já desapareceu, barreira na comunicação, entre aquilo que se
quer dizer e o que se consegue que seja dito – e por que não dizer entre o
livro que se quer escrever e aquele que se consegue escrever?
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